Artigo de Charles Möeller
Quem nos acompanha já sabe que sempre viajamos pra Nova York e Londres todos os anos pra assistir o que esta acontecendo no mundo dos musicais! E nos últimos anos temos publicado nossas impressões no Site M&B! Resolvi abrir meu diário de bordo desse ano de uma maneira diferente. Antes de falar de um espetáculo em si, queria abordar uma questão com a qual sempre me esbarro nos últimos anos: A generalização da expressão “musical da Broadway!”
Em todos as maiores cidades do mundo se montam musicais: Do Japão aos antigos países da cortina de ferro. De Berlim a Buenos Aires, o gênero é cultuado e incorporado independentemente da cultura local, ou, às vezes, com adaptações à cultura local! Em quase toda grande metrópole há musicais autorais, réplicas, musicais originários da Broadway, de West End ou criações locais! O gênero atrai milhões de pessoas, movimenta o turismo mundial e uma quantidade de dinheiro e empregos incalculáveis, e é um fenômeno que existe enquanto forma teatral há quase um século e meio.
Considera-se que a primeira peça teatral adaptada ao moderno conceito de musical foi “The Black Crook” – de Charles M. Barras e Giuseppe Operti, de 1866. A partir de 1890 batizou-se de “comédia musical” o que acontecia dentro dos teatros da “Broadway“. Portanto, não estamos diante de um minuano, mas falando de um ancião com muito fôlego! Sua longevidade e sua força vêm especialmente de sua capacidade de transformação, renovação, reinvenção e até auto-negação! Como, aliás, o teatro em si em todos os seus diversos gêneros e vertentes.
Escrevo esse preâmbulo para esclarecer o quanto ainda me incomoda a classificação genérica que trata um musical da Broadway como um gênero, e não como um espetáculo que teve origem naquele centro de entretenimento.
A Broadway não é um estilo de teatro musical e muito menos um conceito estético; menos ainda uma classificação como estrelas em hotéis e restaurantes. Um musical não é um genérico que brota de outro, e de mais outro, e de mais outro. O Musical Americano, como, aliás, o teatro mundial em si, vertente e sub-vertentes, idiomas distintos e identidades diversas.
Não devemos olhar para uma forma de arte que já passa dos cem anos de vida e de descobertas e tentar reduzi-la a um homem de brilhantina e máscara correndo atrás da mocinha com um barquinho e velas. Estou há bastante tempo próximo desse negócio por paixão e por vocação, mas ainda continuo descobrindo o novo a cada nova temporada, e ainda me encanto com a diversidade e a complexidade do que se habituou chamar de “musical da Broadway”.
Uma mãe bipolar que toma eletro-choques não se parece em nada com a bruxa verde tentando ser popular, ambas estão a anos-luz de distância de um multi-instrumentista nigeriano pioneiro da música afrobeat, ativista político e dos direitos humanos! O que todos eles têm em comum? Apenas são fenômenos de bilheteria num certo lugar em Nova York que prima, quase sempre, pela excelência de produção e cuidado no que é apresentado ao público. De resto, são tão diferentes quanto os peixes e os elefantes que vivem no mesmo zoológico.
Os musicais da Broadway estão cheios de polaridades, identidades, auto-referencias e auto-negações. É a maior diversidade de criação teatral que tive e tenho tido a oportunidade de conhecer. Mais até do que os chamados espetáculos “sérios” que os países europeus se orgulham de ter e que, de certa forma, acabam todos reunidos no famoso saco da “vanguarda”. Mas isso é outra história.
Passado e presente coexistem na Broadway com uma infinidade de linguagens e tendências, talvez tendo em comum, ao fim de tudo, apenas o alvo de suas criações e suas constantes descobertas: o público. Encantar o público. Puro encantamento. O resto… Não sei do resto!
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